Nos bailes populares alentejanos dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX, era sacramental a pergunta endereçada pelo rapaz, à moça que lhe enchera as medidas:
- A menina quer bailar?
A resposta, podia assumir a forma dum rotundo “Não!”, tradicionalmente conhecido por “cabaço”. Mas a resposta podia igualmente revestir a forma dum rasgado sorriso, acompanhado dum entregar de corpo, às mãos e braços do varão inquiridor, que conduziria a moça durante o baile.
Eles bailavam de chapeirão, de bota cardada e calças com boca-de-sino. Elas, de saia a rasar o chão, o que levava alguns rapazes a confessar que:
"Toda a vida me agradou
Moça de saia rasteira,Porque pranta o pé no chão
Devagar, não faz poeira."
Todavia, os rapazes não gostavam que as moças dançassem de socos:
“Os sóccos para dançar
Fazem mui ruim effêto,Ainda que as damas usem
Ricas jóias em sê pêto. ”
No descanso, dava para eles enrolarem um paivante e tirar umas quantas fumaças, que isso de ser homem dá para fumar. E é sempre bom levar o varapau, que o diabo às vezes assume a forma de maltês. Também dava para elas comporem as saias à cinta, aperaltar os colares e compor os carrapitos.
Como vêem existia uma grande diferença de género.
Eu tenho uma certa pena das moças, porque os aprestos dos homens deviam ser algo incómodos, a menos que eles fossem ágeis e cuidadosos. De contrário, dançar de botifarras, devia dar para pregar cada pisadela que fervia. Uma botas alentejanas que se prezem, não são propriamente uns sapatos à Fred Astaire.
Também o chapeirão devia ser uma grande chatice, a menos que a moça fosse mais baixa.
Se a moça fosse mais alta, o chapeirão batia-lhe no peito e mantinha as distâncias, o que convenhamos era um grandessíssimo inconveniente para o homem.
Se a moça fosse da mesma altura, o chapeirão devia estar sempre a embirrar com a cabeça dela, a menos que dançassem de cabecinha ao lado, correndo o risco de dar um jeito ao pescoço. E o dinheiro que sobrara da romaria já não dava para ir ao endireita.
Um dos locais mais afamados para bailar no Alentejo, era o terreiro das Festas de S. Mateus, em Elvas:
“Eu também já fui à festa
e fiz promessas a deusde cá voltar outra vez
a dançar no São Mateus.”
Os bailes populares eram abrilhantados por tocadores de viola ou de acordeão, que eram também cantadores.
O bailar chegava a ser apontado como recomendação divina:
“Deus do céu mandou à terra
Um aviso à mocidade,Que cantassem e bailassem,
Divertissem-se à vontade.” (Amareleja)
A maioria dos rapazes gostava de bailar e versejar:
“Canto saias, bailo saias,
Eu saias ando bailando,Gosto de bailar as saias
Com quem as andas trajando.”
Alguns indicavam minuciosamente, as características a que devia obedecer o baile:
“O bailar quer-se mexido,
Puladinho e bem cantado,Quer-se alegre e chegadinho
Ao par que levo ao meu lado.” (Beja)
Bailar bem, era uma virtude a que os rapazes aspiravam:
“Quatro coisas ha no mundo
Que eu desejava apprender:Cantar bem, tocar viola,
Báilhar bem e saber ler.”
Algumas das moças seriam vaidosas. Pelo menos, era essa a opinião de alguns dos rapazes:
“Estas meninas d’gora
São bonitas, bailam bem;Mas em tendo um fato novo,
Já não falam a ninguém.”
Algumas moças recusar-se-iam mesmo a bailar:
“Menina que é cabaceira,
Tantos cabaços tem dado, Veja lá se tem algum
Também para mim guardado.”
Por vezes, a rapariga não sabia dançar:
“Oh! Que pernas, oh! que boca,
Henriqueta, vossê tem!P´ra que quer vossê as pernas,
Se vossê não dança bem?”
Havia rapazes que sabendo cantar e bailar, não percebiam porque é que as raparigas não gostavam deles:
“Tu dizes que não me queres,
Meu amor diz-me porquê,Eu sei cantar e bailar,
E rir e falar tambem.”
Havia rapazes que lamentavam não saber cantar tão bem, quanto sabiam versejar:
“S’eu soubesse cantar bem,
Como sei fazer cantigas,Andava de bàlho em bàlho
Divertindo as raparigas.” (Aljustrel)
Quando faltavam raparigas no baile, havia rapazes que procuravam desfazer os pares, originando frequentes zaragatas:
“Camarada, dá licença,
Um bocadinho, faz favor?Quero dar palavra e meia
Ó seu par, que é meu amor.”
Alguns rapazes faziam do cantar e tocar nos bailes, o seu ganha-pão:
“A cantar e a bailar
É que o meu bem ganha pão,De viola a tiracolle
E panderêta na mão.”
Havia quem exteriorizasse a sua liberdade de poder cantar e bailar:
“Inda canto, inda bailo.
Inda cá não ha tristeza,Inda cá não ha quem tenha
Minha liberdade presa.”
Havia mulheres que desejavam ficar sem o marido, a fim de poderem cantar e bailar, tal como em solteiras:
“Já não canto, já não bailo,
Deixem-no ir embora,
Restaurarei o perdido.”
Havia quem, talvez por despeito de não ter par, considerasse que quem estava a bailar, não tinha dinheiro:
“Dos pares que andam bailando
Ali no meio do terreiro,Não se me dá de apostar:
Nenhum d’elles tem dinheiro.”
Havia quem, por estar triste, desejasse que os pares a bailar, caíssem, a fim de se divertir:
“Os pares que andam bailando,
Quem m’os dera ver cair!Tenho o meu coração triste,
Q’ria fartar-me de rir.”
Os rapazes reconheciam que, bailar de empreitada, dava cabo deles:
“Não é o cantar que dá
Cabo da rapaziada;É o muito andar de noite
E o bàlhar de empreitada.” (Odemira)
Enquanto houvesse cantadores, havia baile:
“Eu vejo o baile acabado
Agora começo eu,
Com licença, meus senhores.”
Uma coisa é certa: nem todos os homens gostavam de bailar:
“Para bailar doe-me um dente,
Para cantar uma perna,Onde tenho algum alívio
É à porta da taberna.”
Alguns homens, por questões anatómicas, dançariam mesmo mal. Lá diz o rifão: "Barrigudo não dança, só sacode a pança". Todavia, também por questões anatómicas, ainda hoje persiste a crença de que: “Homem pequenino, ou velhaco ou dançarino”. De resto, o rifão “Assim como cantares, assim dançarás", talvez possa significar que “Se tiveres voz de cana rachada, então terás, decerto, pé de chumbo”.
Era este o contexto sociológico e lúdico dos bailes populares, nas feiras, festas e romarias do Alentejo, de finais do séc. XIX – inícios do séc. XX.
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