SLB 2017

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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

É preciso ter azar!



Chega o Conde  à sua mansão. O mordomo, atentamente, abre-lhe a porta, baixa a cabeça  e reverencialmente, saúda-o:
- Entre, filho de uma grande puta, de onde vem o senhor Conde com essa cara de paneleiro?

 Ao que o Conde, sorridente, lhe responde:

- De comprar um aparelho auditivo.

sábado, 12 de novembro de 2011


Nos bailes populares alentejanos dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX, era sacramental a pergunta endereçada pelo rapaz, à moça que lhe enchera as medidas:

- A menina quer bailar?

A resposta, podia assumir a forma dum rotundo “Não!”, tradicionalmente conhecido por “cabaço”. Mas a resposta podia igualmente revestir a forma dum rasgado sorriso, acompanhado dum entregar de corpo, às mãos e braços do varão inquiridor, que conduziria a moça durante o baile.

Eles bailavam de chapeirão, de bota cardada e calças com boca-de-sino. Elas, de saia a rasar o chão, o que levava alguns rapazes a confessar que:

"Toda a vida me agradou
Moça de saia rasteira,
Porque pranta o pé no chão
Devagar, não faz poeira." 

Todavia, os rapazes não gostavam que as moças dançassem de socos:

“Os sóccos para dançar
Fazem mui ruim effêto,
Ainda que as damas usem
Ricas jóias em sê pêto. ” 

No descanso, dava para eles enrolarem um paivante e tirar umas quantas fumaças, que isso de ser homem dá para fumar. E é sempre bom levar o varapau, que o diabo às vezes assume a forma de maltês. Também dava para elas comporem as saias à cinta, aperaltar os colares e compor os carrapitos.

Como vêem existia uma grande diferença de género.

Eu tenho uma certa pena das moças, porque os aprestos dos homens deviam ser algo incómodos, a menos que eles fossem ágeis e cuidadosos. De contrário, dançar de botifarras, devia dar para pregar cada pisadela que fervia. Uma botas alentejanas que se prezem, não são propriamente uns sapatos à Fred Astaire.

Também o chapeirão devia ser uma grande chatice, a menos que a moça fosse mais baixa.

Se a moça fosse mais alta, o chapeirão batia-lhe no peito e mantinha as distâncias, o que convenhamos era um grandessíssimo inconveniente para o homem.

Se a moça fosse da mesma altura, o chapeirão devia estar sempre a embirrar com a cabeça dela, a menos que dançassem de cabecinha ao lado, correndo o risco de dar um jeito ao pescoço. E o dinheiro que sobrara da romaria já não dava para ir ao endireita.

Um dos locais mais afamados para bailar no Alentejo, era o terreiro das Festas de S. Mateus, em Elvas:

“Eu também já fui à festa
e fiz promessas a deus
de cá voltar outra vez
a dançar no São Mateus.”

Os bailes populares eram abrilhantados por tocadores de viola ou de acordeão, que eram também cantadores.

O bailar chegava a ser apontado como recomendação divina:

“Deus do céu mandou à terra
Um aviso à mocidade,
Que cantassem e bailassem,
Divertissem-se à vontade.”   (Amareleja)

A maioria dos rapazes gostava de bailar e versejar:

“Canto saias, bailo saias,
Eu saias ando bailando,
Gosto de bailar as saias
Com quem as andas trajando.” 

Alguns indicavam minuciosamente, as características a que devia obedecer o baile:

“O bailar quer-se mexido,
Puladinho e bem cantado,
Quer-se alegre e chegadinho
Ao par que levo ao meu lado.”   (Beja)

Bailar bem, era uma virtude a que os rapazes aspiravam:

“Quatro coisas ha no mundo
Que eu desejava apprender:
Cantar bem, tocar viola,
Báilhar bem e saber ler.” 

Algumas das moças seriam vaidosas. Pelo menos, era essa a opinião de alguns dos rapazes:


“Estas meninas d’gora
São bonitas, bailam bem;
Mas em tendo um fato novo,
Já não falam a ninguém.” 


Algumas moças recusar-se-iam mesmo a bailar:

“Menina que é cabaceira,
Tantos cabaços tem dado,
Veja lá se tem algum
Também para mim guardado.” 

Por vezes, a rapariga não sabia dançar:

“Oh! Que pernas, oh! que boca,
Henriqueta, vossê tem!
P´ra que quer vossê as pernas,
Se vossê não dança bem?” 

Havia rapazes que sabendo cantar e bailar, não percebiam porque é que as raparigas não gostavam deles:

“Tu dizes que não me queres,
Meu amor diz-me porquê,
Eu sei cantar e bailar,
E rir e falar tambem.”

Havia rapazes que lamentavam não saber cantar tão bem, quanto sabiam versejar:

“S’eu soubesse cantar bem,
Como sei fazer cantigas,
Andava de bàlho em bàlho
Divertindo as raparigas.”  (Aljustrel)

Quando faltavam raparigas no baile, havia rapazes que procuravam desfazer os pares, originando frequentes zaragatas:



“Camarada, dá licença,
Um bocadinho, faz favor?
Quero dar palavra e meia
Ó seu par, que é meu amor.” 

Alguns rapazes faziam do cantar e tocar nos bailes, o seu ganha-pão:


“A cantar e a bailar
É que o meu bem ganha pão,
De viola a tiracolle
E panderêta na mão.”

Havia quem exteriorizasse a sua liberdade de poder cantar e bailar:


“Inda canto, inda bailo.
Inda cá não ha tristeza,
Inda cá não ha quem tenha
Minha liberdade presa.”


Havia mulheres que desejavam ficar sem o marido, a fim de poderem cantar e bailar, tal como em solteiras:


“Já não canto, já não bailo,
Que não quer o meu marido,
Deixem-no ir embora,
Restaurarei o perdido.”

Havia quem, talvez por despeito de não ter par, considerasse que quem estava a bailar, não tinha dinheiro:

“Dos pares que andam bailando
Ali no meio do terreiro,
Não se me dá de apostar:
Nenhum d’elles tem dinheiro.” 

Havia quem, por estar triste, desejasse que os pares a bailar, caíssem, a fim de se divertir:


“Os pares que andam bailando,
Quem m’os dera ver cair!
Tenho o meu coração triste,
Q’ria fartar-me de rir.” 

 Os rapazes reconheciam que, bailar de empreitada, dava cabo deles:

“Não é o cantar que dá
Cabo da rapaziada;
É o muito andar de noite
E o bàlhar de empreitada.”   (Odemira)

Enquanto houvesse cantadores, havia baile:


“Eu vejo o baile acabado
À falta de cantadores:
Agora começo eu,
Com licença, meus senhores.” 

Uma coisa é certa: nem todos os homens gostavam de bailar:


“Para bailar doe-me um dente,
Para cantar uma perna,
Onde tenho algum alívio
É à porta da taberna.”

Alguns homens, por questões anatómicas, dançariam mesmo mal. Lá diz o rifão: "Barrigudo não dança, só sacode a pança". Todavia, também por questões anatómicas, ainda hoje persiste a crença de que: “Homem pequenino, ou velhaco ou dançarino”. De resto, o rifão “Assim como cantares, assim dançarás", talvez possa significar que “Se tiveres voz de cana rachada, então terás, decerto, pé de chumbo”.

Era este o contexto sociológico e lúdico dos bailes populares, nas feiras, festas e romarias do Alentejo, de finais do séc. XIX – inícios do séc. XX.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Identidade Cultural Alentejana


 
pastor.jpgPastor por Dordio Gomes


Em primeiro lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a paisagem, que para Eduardo Teófilo em Alentejo não tem sombra é um:


“Plaino imenso, extensão sem fim a perder-se, lá, onde a vista mais não alcança, mar dourado ondulando de leve, num amarelo forte que se vai esbatendo pouco a pouco à medida que a extensão se esquece e acaba. Céu azul, baço, abóbada afogueada por sobre a seara madura, pare­cendo pousada mesmo sobre nós, Sol que não se pode olhar que o reflexo do seu disco brilhante cega e dói.
 Não há uma sombra, não se vê viv'alma. O mundo parou, a vida parou, como que hipnotizados pela salva res­plandecente do Sol a pino, bem na vertical”.


Em segundo lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o carácter do povo alentejano, sobre o qual nos diz Vítor Santos no seu Cancioneiro Alentejano:
 “Independentes, ousados, alegres embora de feições duras e escurecidas pelo sol, eles mostram bem, pelo espírito decidido e olhar sobranceiro e um tudo-nada desconfiado, que possúem a consciência da sua força e do seu valôr”.
 Faz parte ainda do carácter do povo alentejano, o amor desmesurado que nutre pela sua terra. Como nos diz Antunes da Silva em Terra do nosso pão:
 “Isto de Alentejanos é gente que puxa para uma banda só. Partir à aventura no rasto da fortuna, caindo aqui, levantando-se além, não é caminho que se abra às vozes da alma dos Alen­tejanos. Nem é o susto de outras paisagens vir­gens para onde os mandam, mas o amor sub­merso que têm ao seu chão e que de repente se ergue como uma força do sangue. Teimosamente agarrados à plenitude dos escampados, ao valor das suas vilas e aldeias, aprendem a ser livres com a natureza que lhes legaram seus avós.”


Em terceiro lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o trajo popular. Diz-nos Luís Chaves em A Arte Popular – Aspectos do Problema:
 “O traje surge-nos como produto natural do meio, isto é, de quanto dentro e à volta do homem existe; e tudo que influi no espírito e actua nele. Desde a escolha e adopção dos tecidos, até a côr e a forma, desde a ornamentação ao arranjo das partes componentes, tudo aí tem razão de ser como é, e tem de estar onde está”. O trajo alentejano é rico e diversificado, quer seja usado por homem ou mulher, estando em relação directa com a posição de cada um na escala social e com as tarefas diárias desempenhadas.


Em quarto lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a gastronomia. O Alentejo é a região do borrego e este é um recurso com elevada cotação na bolsa de valores gastronómicos. Por isso, no âmbito da FIAPE – Feira Internacional Agro-Pecuária de Estremoz, decorre a Semana Gastronómica do Borrego, onde o borrego impera como rei e senhor. Então, os restaurantes locais apresentam receitas a Concurso, todas confeccionadas a partir do borrego. Eis algumas: sopa da panela, ensopado de borrego, borrego guisado com ervilhas, mãozinhas de borrego panadas, perna de borrego trufada, cozido de borrego com grão, feijão verde e abóbora, mãozinhas de borrego com molho de tomate, borrego assado à alentejana, sarrapatel de borrego, borrego de alfitete, miolos de borrego, iscas de fígado de borrego, arroz de fressura, empadas de borrego, tarte de requeijão, bolo de requeijão e queijadas.
 Qualquer destes pratos é definidor da nossa identidade cultural. A gastronomia do borrego, essa é património culinário legado pelos nossos ancestrais. É património para mastigar, para saborear e para lamber os beiços, a comer e a chorar por mais, pois barriga vazia não conhece alegrias... Por isso, apetece dizer: - Viva o património mastigável! - Viva! - Avante com a defesa do património! - Avante!


Em quinto lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a arte popular. Desde tempos imemoriais que o pastor alentejano ocupa o tempo que lhe sobra da guarda do rebanho em gravar desenhos sobre madeira, cortiça ou chifre. Resumidamente referiremos: garfos, colheres, chavões, foicinheiras, esfolhadores, formas de dobar linhas, cabaças, caixas de costura, polvorinhos, cornas, etc. Naturalmente, que na arte popular e muito para além da arte pastoril, há a incluir entre inúmeras outras formas de arte popular, a barrística popular e a olaria .
 
Diz-nos Virgílio Correia na Etnografia Artística:
 "A Província do Alentejo é a lareira onde arde mais vivo, mais claro e mais alto, o fogo tradicional da arte popular portuguesa.”


Já João Falcato no Elucidário do Alentejo diz-nos que:
 “Não sabe uma letra o pastor destas terras, em erudição nunca ouviu falar, e é poesia pura a linguagem da sua alma, e é poesia pura o que sai das suas mãos.


E além de tudo mais uma qualidade tem a sua poesia. Não precisa dos livros para se imortalizar. Um raminho de buxo, um nada de cortiça, e, da inspiração fugidia, ficou alguma coisa nas nossas mãos. "



Em sexto-lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cancioneiro popular. De facto, têm bastante expressão entre nós os poetas populares, muitos dos quais são pastores que criam, sobretudo, décimas e quadras que registam no livro vivo da sua memória. A quadra, essa pode ser brejeira:
 
 Assente-se aqui, menina,
 À sombra do meu chapéu,
 O Alentejo não tem sombra,
 Senão a que vem do céu.


Pode ser também o reflexo do grande isolamento em que vive o pastor, que lhe permite conhecer a natureza que o rodeia, muito em particular, o céu:

 As árves que o mundo tem
 Cubro-as c’o meu chapéu.
 Diga-me cá por cantigas
 Quantas ‘strelas há no céu?



Por vezes a poesia encerra uma profunda crítica social:

 Sobe o rei no alto trono,
 Desce o pastor ao val’ fundo;
 Uns p’ra baixo, outros p’ra cima
 Vai-se assim movendo o mundo."

 Felizmente que através dos tempos tem havido estudiosos que têm procedido à recolha do rico Cancioneiro Popular. Registo entre outros os nomes de Tomás Pires, Luís Chaves, Azinhal Abelho, Manuel Joaquim Delgado, Vítor Santos, Fernando Lopes Graça, Michel Giacometti, a quem presto o tributo do meu reconhecimento por terem tido a clarividência da importância que constitui o registo escrito do Cancioneiro Popular, como forma de assegurar a perpetuidade do que tem de mais rico e genuíno a nossa memória colectiva.


Em sétimo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cante, que segundo a tese litúrgica do padre António Marvão teve origem em escolas de canto popular fundadas em Serpa, por monges paulistas do Convento da Serra d’Ossa, os quais tinham formação em canto polifónico.

No Cancioneiro Alentejano – recolha de Victor Santos, diz Fernando Lopes Graça:

“O alentejano canta com verdadeira paixão e todas as ocasiões lhe são boas para dar largas ao seu lirismo ingénito. Não há trabalho, folga, festa ou reunião de qualquer espécie, sem um rosário infindo de cantigas.”


Manuel Ribeiro na Lembrança dos Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, Mértola, Vidigueira e Vila Verde de Ficalho, diz-nos:

“Só no Alentejo há o culto popular do canto. Ali se criou o tipo original do “cantador”. Pelas esquinas, altas horas, embuçados nas fartas mantas, agrupam-se os homens: esmorece a conversa, faz-se silencio e de subito, expontâneamente, rompe um coral. É o diálogo em que eles melhor se entendem, é a conversa em que todos estão de acôrdo.

Quem não viu em Beja, em certas ruas lôbregas, em certos recantos que escondem ainda os antros esfumados das adegas pejadas de negras e ciclopicas talhas mouriscas, quem não viu duas bancadas que se defrontam e donde se eleva um canto entoado, solene e soturno, com o quer que seja da salmodia dum côro de monges?”

Embora possa cantar só, o alentejano canta sobretudo em coros e esse canto é sério, dolente, compenetrado e mesmo solene, porque o alentejano é lento, comedido e contemplativo, por força do Sol escaldante.

O coro une os alentejanos. Como diz Eduardo Teófilo em Alentejo não tem sombra:

“Há, no entanto, a ligá-los a todos, algo de pró­prio, de indefinidamente próprio e que os torna re­conhecíveis em qualquer lugar em que se encontrem.(...). Todos eles estão marcados a fogo, pelo fogo daquele Sol ardente que, mesmo quando mal brilha, entra nas almas e molda os caracteres, todos eles apresentam o seu rosto cortado por navalhadas de vida e tostados pelas ardências do Sol de Verão, como se vivessem todos, realmente, sem uma sombra a que se abrigar.”

  Sobre o cante diz-nos ainda Antunes da Silva em Terra do nosso pão:

“As cotovias cantam para o céu, tresnoitadas. Os Alentejanos cantam para os horizontes, sonhando. Dessas duas castas melodias nasce a força de um povo!”



Em oitavo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a habitação popular, o monte ou a casa de povoado, ambos de planta rectangular e com chaminé aparecendo em ressalto na fachada. Os materiais de construção são a taipa e o tijolo. O telhado é de duas águas, coberto de telhas assentes em ripas. As paredes, reforçadas por vezes com contrafortes, são caiadas de branco. Lá diz o cancioneiro popular:


 Nas terras do Alentejo
 É tudo tão asseado...
 As casas e o coração,
 Sempre tudo anda lavado...


Julgo ter ficado sobejamente demonstrado que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.

Como diria o poeta, é preciso, é imperioso, é urgente, que cada um de nós tenha consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização e aprofundamento.



Nós, os Alentejanos, temos o dever, de divulgar e promover, o Alentejo, em todas as suas vertentes, TODAS.

 



terça-feira, 8 de novembro de 2011

Como um grego ensina a um alemão a História

                        Cartaz americano de apoio à Grécia durante a II Guerra Mundial


Um cidadão alemão escreveu uma carta aberta aos gregos, publicada na revista Stern. Um grego, Georgios P. Psomas respondeu-lhe pondo os pontos em todos os iis.

Ambas foram traduzidas pelo Sérgio Ribeiro e encontrei uma versão em inglês. Esta troca de correspondência já data de 2010. Georgios conta-nos aquilo que toda a imprensa europeia cala. Merece ser lida, sobretudo por todos aqueles que têm tratado os gregos como culpados de tudo, incluindo o pecado original. e vou aqui transcrever os dois textos.

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Depois da Alemanha ter tido de salvar os bancos, agora tem de salvar também a Grécia

Os gregos, que primeiros fizeram alquimias com o euro, agora, em vez de fazerem economias, fazem greves

Caros gregos,

Desde 1981 pertencemos à mesma família.

Nós, os alemães, contribuímos como ninguém mais para um Fundo comum, com mais de 200 mil milhões de euros, enquanto a Grécia recebeu cerca de 100 mil milhões dessa verba, ou seja a maior parcela per capita de qualquer outro povo da U.E.

Nunca nenhum povo até agora ajudou tanto outro povo e durante tanto tempo.

Vocês são, sinceramente, os amigos mais caros que nós temos.

O caso é que não só se enganam a vocês mesmos, como nos enganam a nós.

No essencial, vocês nunca mostraram ser merecedores do nosso Euro. Desde a sua incorporação como moeda da Grécia, nunca conseguiram, até agora, cumprir os critérios de estabilidade. Dentro da U.E., são o povo que mais gasta em bens de consumo

Vocês descobriram a democracia, por isso devem saber que se governa através da vontade do povo, que é, no fundo, quem tem a responsabilidade. Não digam, por isso, que só os políticos têm a responsabilidade do desastre. Ninguém vos obrigou a durante anos fugir aos impostos, a opor-se a qualquer política coerente para reduzir os gastos públicos e ninguém vos obrigou a eleger os governantes que têm tido e têm.

Os gregos são quem nos mostrou o caminho da Democracia, da Filosofia e dos primeiros conhecimentos da Economia Nacional.

Mas, agora, mostram-nos um caminho errado. E chegaram onde chegaram, não vão mais adiante!!!

Walter Wuelleenweber

Artigo original na Stern

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Resposta de Georgios Psomás

Caro Walter,

Chamo-me Georgios Psomás. Sou funcionário público e não “empregado público” como, depreciativamente, como insulto, se referem a nós os meus compatriotas e os teus compatriotas.

O meu salário é de 1.000 euros. Por mês, hem!… não vás pensar que por dia, como te querem fazer crer no teu País. Repara que ganho um número que nem sequer é inferior em 1.000 euros ao teu, que é de vários milhares.

Desde 1981, tens razão, estamos na mesma família. Só que nós vos concedemos, em exclusividade, um montão de privilégios, como serem os principais fornecedores do povo grego de tecnologia, armas, infraestruturas (duas autoestradas e dois aeroportos internacionais), telecomunicações, produtos de consumo, automóveis, etc.. Se me esqueço de alguma coisa, desculpa. Chamo-te a atenção para o facto de sermos, dentro da U.E., os maiores importadores de produtos de consumo que são fabricados nas fábricas alemãs.

A verdade é que não responsabilizamos apenas os nossos políticos pelo desastre da Grécia. Para ele contribuíram muito algumas grandes empresas alemãs, as que pagaram enormes “comissões” aos nossos políticos para terem contratos, para nos venderem de tudo, e uns quantos submarinos fora de uso, que postos no mar, continuam tombados de costas para o ar.

Sei que ainda não dás crédito ao que te escrevo. Tem paciência, espera, lê toda a carta, e se não conseguir convencer-te, autorizo-te a que me expulses da Eurozona, esse lugar de VERDADE, de PROSPERIDADE, da JUSTIÇA e do CORRECTO.

Estimado Walter,

Passou mais de meio século desde que a 2ª Guerra Mundial terminou. QUER DIZER MAIS DE 50 ANOS desde a época em que a Alemanha deveria ter saldado as suas obrigações para com a Grécia.

Estas dívidas, QUE SÓ A ALEMANHA até agora resiste a saldar com a Grécia (Bulgária e Roménia cumpriram, ao pagar as indemnizações estipuladas), e que consistem em:

1. Uma dívida de 80 milhões de marcos alemães por indemnizações, que ficou por pagar da 1ª Guerra Mundial;

2. Dívidas por diferenças de clearing, no período entre-guerras, que ascendem hoje a 593.873.000 dólares EUA.

3. Os empréstimos em obrigações que contraíu o III Reich em nome da Grécia, na ocupação alemã, que ascendem a 3,5 mil milhões de dólares durante todo o período de ocupação.

4. As reparações que deve a Alemanha à Grécia, pelas confiscações, perseguições, execuções e destruições de povoações inteiras, estradas, pontes, linhas férreas, portos, produto do III Reich, e que, segundo o determinado pelos tribunais aliados, ascende a 7,1 mil milhões de dólares, dos quais a Grécia não viu sequer uma nota.

5. As imensuráveis reparações da Alemanha pela morte de 1.125.960 gregos (38,960 executados, 12 mil mortos como dano colateral, 70 mil mortos em combate, 105 mil mortos em campos de concentração na Alemanha, 600 mil mortos de fome, etc., etc.).

6. A tremenda e imensurável ofensa moral provocada ao povo grego e aos ideais humanísticos da cultura grega.

Amigo Walter, sei que não te deve agradar nada o que escrevo. Lamento-o.

Mas mais me magoa o que a Alemanha quer fazer comigo e com os meus compatriotas.

Amigo Walter: na Grécia laboram 130 empresas alemãs, entre as quais se incluem todos os colossos da indústria do teu País, as quais têm lucros anuais de 6,5 mil milhões de euros. Muito em breve, se as coisas continuarem assim, não poderei comprar mais produtos alemães porque cada vez tenho menos dinheiro. Eu e os meus compatriotas crescemos sempre com privações, vamos aguentar, não tenhas problema. Podemos viver sem BMW, sem Mercedes, sem Opel, sem Skoda. Deixaremos de comprar produtos do Lidl, do Praktiker, da IKEA.

Mas vocês, Walter, como se vão arranjar com os desempregados que esta situação criará, que por aí vos vai obrigar a baixar o seu nível de vida, perder os seus carros de luxo, as suas férias no estrangeiro, as suas excursões sexuais à Tailândia?

Vocês (alemães, suecos, holandeses, e restantes “compatriotas” da Eurozona) pretendem que saíamos da Europa, da Eurozona e não sei mais de onde.

Creio firmemente que devemos fazê-lo, para nos salvarmos de uma União que é um bando de especuladores financeiros, uma equipa em que só jogamos se consumirmos os produtos que vocês oferecem: empréstimos, bens industriais, bens de consumo, obras faraónicas, etc.

E, finalmente, Walter, devemos “acertar” um outro ponto importante, já que vocês também são devedores da Grécia:

EXIGIMOS QUE NOS DEVOLVAM A CIVILIZAÇÃO QUE NOS ROUBARAM!!!

Queremos de volta à Grécia as imortais obras dos nosos antepassados, que estão guardadas nos museus de Berlim, de Munique, de Paris, de Roma e de Londres.

E EXIJO QUE SEJA AGORA!! Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados.

Cordialmente,

Georgios Psomás

Contrex - Ma Contrexpérience - 97s from Marcel on Vimeo.