SLB 2017

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

No longiquo ano de 1966

Os outros, seriam pouco mais velhos que eu...
Eu do alto dos meus cinco anos de idade,  passeava orgulhoso a minha camisola nova, de lã, com o Doi-Doi bordado no lado esquerdo do peito. Um macaco simpatico de quem todos pareciam nutrir simpatia.
Como me sentia vaidoso... todas as meninas me olhavam com o olhar proprio de quem tem curiosidade, ainda mais naquelas idades, "- Quem é?, Donde veio?", perguntavam umas, "- Neto da Ana da Varzinha, de Beja..." respondiam outras.
O primeiro dia de escola na vida dum individuo, marca pra sempre, como a primeira namorada, o primeiro beijo, o primeiro carro... tudo o que é primeiro, marca.
Eu fui primeiro, prematuramente.

Vivia na cidade nos tempos idos do tempo da outra senhora, que alias, era um senhor, dos lados de Santa Comba Dão... as leis eram poucas e muito rigidas.

A todos os menores de 6 anos, nao era possivel comecar a vida escolar.
Eu tinha 5, apenas 5, mas ja sabia contar ate aos 4 digitos, ja juntava as letras e rabiscava algumas palavras.

Quando me viam por ali, naquela pastelaria, onde diariamente, se encontravam para o pequeno almoço, alguns dos senhores mais ricos do Burgo, os seus bigodes e faces rosadas da cor do tinto, arrebitavam. Entre eles, havia um professor primario (Fernandes), que concordava que eu ja deveria andar na escola, que pela sua avaliaçao de professor primario, estaria preparado, mais que outros pra encetar tal cruzada, e me chamava para perto deles, para um questionario muito singular.
Eu submtia-me a tal prazer,  pelo ego e pela recompensa.
   - Diz-nos ca rapaz, quantos sao 2 mais 2?
Depois da minha resposta pronta e certeira, surgiam as seguintes...
   - 4 e 4?
   - 8 e 8?
   - 16 e 16?
A viagem numerica continuava, para deleite dos presentes, ate que ele via que, naturalmente e ao passo que o grau de dificuldade aumentava, eu começava a tomar entre cada pergunta, alguns segundos de folgo, para pensar e poder responder.
Depois, o veredito, "- ta bem rapaz, ja esta bem assim", quando me via aflito, com as contas mentais de 3 digitos. Todos os restantes deixavam transparecer no rosto, aquela satisfaçao de ter gostado do filme, como se tivessem acabado de sair ao cinema.
No final, bem, no final vinha sempre, o mais apetitoso. A "milhadura", uma moeda de 25 tostões, branquinha, tao linda. O que me fazia sair dali, a sete pes, batendo com os calcanhares, nos calções, so parando na mercearia, pra comprar gulodices, coisas boas...hummm.

Comentavam, a minha mãe e a minha avo... sobre o assunto. Em todas as escolas da cidade, escolas e diretores de escola, que a minha mae contatou, um a um, todos recusando a minha inscrição, obtendo sempre as mesmas respostas, " - é a lei minha senhora...", ou, " - não podemos assumir essa responsabilidade...", tudo indicava  que teria de esperar mais um ano, estavamos em Setembro de 1966, a escola, oficialmente, começava a 7 de Outubro... e eu nao tinha colocaçao em nenhuma das freguesias da minha cidade.

Portugal tinha ficado no 3° lugar do campeonato do Mundo em Inglaterra, o meu primeiro desafio de futebol na TV, Portugal-Coreia de boa memoria.
Eu completaria mais um ano de vida, o sexto, dai a dois meses, que desperdicio, um ano perdido, por mes e meio de difença e diferenças politicas, absurdo...

Entao, chegou a noticia, 
"...consegue-se um lugar aqui, preparemos tudo e o zézinho fica aqui em minha casa, pelo menos um ou dois anos, depois terao de aceitar, la na cidade, a sua transferencia."
Dito e feito.

Nas aldeias, sempre e mais facil, as pessoas conhecem-se e respeitam-se ate a terceira geração, no minimo.
As palavras contam como contratos escritos, assinados e selados...
De minha avo. todos diziam bem, todos a consideravam, e quando pediu ao diretor da escola da Aldeia (Oliveira), este nao o negou "- Traga la pra ca o rapaz...a minha responsabilidade." Ja tinha idade suficiente pra nao ter medo, nem de leis nem da perseguiçao politica. Estava para alem da idade de reforma.
Um amante da sua profissão, que tao bem desempenhou, todos diziam.
Acho que a minha avo lhe ofereceu um galo (do campo pois claro), como prova de reconhecimento.
Porque isto sem cunhas, nao vai la, ainda hoje e cada vez mais, infelizmente.

Começou entao, o implantar de raizes, numa terra, que ficaria responsavel por muitas memorias e experiencias de infancia, para todo o sempre.
Algures num baixio, da margem esquerda (do Guadiana)... no meio do Alentejo profundo.
Brinches de seu nome.
Nossa Sra da Consolaçao, sua padroeira.
A capela fica mesmo al lado da escola primaria, no principio da aldeia.

Nesse dia, tal praxe universitaria, fui batizado por "Doi-Doi", a minha primeira alcunha.

E dois anos passaram depressa.
E com sete anos, na terceira classe, fui matriculado na escola n° 9, da freguesia da minha residencia, Sao Joao Batista, em Beja.
Uma lembrança para Maria Barbara Janeiro Acabado, uma professora do outro mundo, com o seu Ford Capri, que nos fazia sonhar...

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